Liderar no varejo moderno exige mais do que acompanhar as tendências tecnológicas. Soluções como inteligência artificial, automação de fluxos e análise de dados estão transformando todas as áreas do setor, desde a operação de lojas até a forma como os líderes gerenciam suas equipes.
Por isso, a digitalizar deixou de ser um diferencial competitivo e passou a ser uma necessidade para organizações que desejam se manter relevantes. Constantemente pressionado por mudanças no comportamento do consumidor e a necessidade de resultados rápidos, o setor precisou desenhar estratégias de alto impacto.
Exemplo disso foi o ano de 2022, em que as 10 maiores empresas de varejo do mundo, como Walmart e JD.com, investiram massivamente em tecnologias digitais para melhorar a experiência do cliente.
O resultado foi um aumento de mais de 25% nas receitas, segundo o estudo Deloitte Global Powers of Retailing 2023. Nas políticas internas não seria diferente. A combinação entre tecnologia e uma gestão eficiente de colaboradores tem se mostrado o verdadeiro motor do crescimento no setor.
Segundo o estudo Innovation Edge for Retail Leaders, publicado pela Boston Consulting Group (BCG) em 2024, empreendimentos que lideram o uso de tecnologia registraram um aumento de até 30% no retorno sobre investimento (ROI) dentro dos primeiros dois anos após a implementação.
Líderes que investem em inovação tem maior ROI
Categoria | Líderes | Seguidores | Atrasados |
Porcentagem média da receita investida | 13% | 10% | 3% |
ROI médio da inovação | 21% | 14% | 9% |
Empresas que aumentarão investimentos em 20% ou mais até 2027 | 38% | 30% | 8% |
Empresas que aumentaram investimentos em 20% ou mais de 2021 a 2024 | 25% | 10% | 5% |
O desafio da inovação e o papel da gestão de pessoas
De acordo com a pesquisa Consumer and Retail Sector Insights Report, realizada em 2023 pela KPMG, com mais de 1.000 executivos de RH e executivos do setor varejista, 75% dos líderes acreditam que a transformação digital precisa vir acompanhada de mudanças profundas na cultura organizacional.
É aqui que o RH entra em cena, desempenhando um papel crucial para garantir que os times não só adotem essas mudanças, mas as utilizem de maneira eficaz no dia a dia.
Paulo Nogueira, Diretor de Gente e Gestão do Grupo Pereira, sabe bem o que isso significa. “Aqui, enfrentamos desafios constantes, como a adaptação às rápidas mudanças tecnológicas, a volatilidade econômica e a administração de um portfólio diversificado de lojas. Para superar esses obstáculos, focamos em três pilares principais: inovação, pessoas e cultura organizacional”.
A empresa prioriza os esforços não apenas em tecnologia, mas também em seus funcionários. “Isso nos permite responder rapidamente às demandas do mercado. Investimos constantemente em capacitação e desenvolvimento de nossas equipes, pois acreditamos que o sucesso vem da força de nosso time”, afirma.
Para Paulo, os resultados só são sustentáveis quando todas as partes interessadas — desde os colaboradores até os clientes e a comunidade — estão alinhadas com esse propósito.
A pesquisa Global Powers of Retailing 2023 aponta que a transformação digital está remodelando o setor varejista, e que a capacitação dos colaboradores para lidar com essas novas tecnologias é essencial. Além disso, eficiência operacional e uma melhora na experiências do cliente também são ganhos identificados. | Principais áreas de foco: inteligência artificialautomação de processosanálise de dadosrealidade aumentada realidade virtual |
Álvaro Angeloni, que foi Vice-Presidente de RH no Carrefour, também acredita que o sucesso da transformação digital depende da preparação das equipes. Ele relembra uma iniciativa que foi um marco na sua carreira.
“Convenci o Grupo Carrefour Internacional a abrir um centro de treinamento para a América do Sul no Brasil. Eles já tinham um na França e outro na Espanha. Eu disse que precisaríamos ter um no Brasil e montamos um que parecia uma universidade, em um prédio novo”, relembra.
A iniciativa foi crucial para garantir que as lideranças tivessem as ferramentas e conhecimentos necessários para guiar suas equipes em meio às mudanças. Para Angeloni, esse projeto provou que o país é capaz de formar gestores de peso no cenário internacional. “O Brasil se destacou como um país desenvolvedor de lideranças para o Carrefour em toda a América do Sul”.
Alinhando cultura organizacional e propósito
Manter uma cultura organizacional forte é fundamental, especialmente em um setor marcado por alta rotatividade de funcionários. Segundo o relatório da KPMG, o turnover no varejo é 70% maior do que em outros setores, devido à natureza das operações, que muitas vezes envolvem trabalho em horários irregulares, finais de semana e períodos de alta demanda, como as datas comemorativas.
Para Erika Petri, Diretora Executiva de RH do GPA, a solução está no alinhamento entre cultura organizacional e propósito. “Formar novos líderes alinhados à cultura da companhia e disseminadores dos nossos valores e compromissos é fundamental, ainda mais em uma companhia como o GPA que está abrindo muitas lojas e tem como desafio trazer novos colaboradores que chegam para fazer parte e ser dono do negócio”.
Jaciani Rizziolli, superintendente de RH do Savegnago, também destaca a importância de alinhar a visão da empresa com as necessidades dos colaboradores: “Temos uma responsabilidade social muito grande. A gente ajuda a desenvolver cidadãos melhores.
Com um déficit educacional importante no nosso país, somos muitas vezes o primeiro emprego para a maioria dos indivíduos e temos muitos colaboradores que vem de situações de vulnerabilidade. No Savegnago, a cultura de cuidar das pessoas não é só um valor — é uma prática diária”.
Segundo o relatório da KPMG, companhias que conseguem alinhar seu propósito com a cultura organizacional experimentam um turnover 20% menor do que a média do setor. Isso mostra que uma cultura forte não apenas melhora o engajamento dos colaboradores, mas também tem um impacto direto nos resultados financeiros da empresa.
Flexibilidade e resiliência
A flexibilidade e a resiliência tornaram-se características essenciais para os líderes varejistas, especialmente após a pandemia de COVID-19, que trouxe mudanças rápidas e imprevisíveis para o setor. Durante a crise, as empresas tiveram que se adaptar a novas demandas do consumidor, como o crescimento exponencial do e-commerce e a necessidade de operações de delivery. Mas essa adaptação não teria sido possível sem flexibilidade e resiliência.
Álvaro Angeloni, ex-Vice-Presidente de RH no Carrefour, relembra os desafios enfrentados durante o período: “No auge da pandemia, o varejo enfrentou o dilema de se manter aberto, sendo o único setor em operação, enquanto enfrentava grandes riscos.
Mas sem precisar pedir, toda a equipe se comprometeu a se proteger e encontrar maneiras de superar a crise. Embora extremamente estressante, o momento foi de grande realização, pois mostrou que o trabalho que havíamos feito com nossa cultura organizacional realmente funcionava”.
Jaciani Rizziolli, do Savegnago, reforça a ideia de que a resiliência precisa ser uma habilidade desenvolvida em todos os níveis da organização, e não apenas na liderança: “Com uma expansão tão acelerada, precisamos ser ágeis para contratar, treinar e desenvolver pessoas em um curto espaço de tempo. Muitas vezes, precisamos ensinar resiliência na prática, garantindo que nossos colaboradores entendam que, em um ambiente dinâmico como o comercial, a mudança é constante”.
Desenvolvimento de lideranças e sucessão
O desenvolvimento de lideranças é outro desafio no varejo, especialmente em empresas de crescimento acelerado. Como as operações são complexas, é essencial garantir que haja líderes preparados para manter o padrão de qualidade e o engajamento das equipes.
Paulo ressalta a importância de programas estruturados de desenvolvimento de gestores: “Quando comecei no Grupo Pereira, era um auxiliar de caixa e, ao longo de quase 20 anos, passei por 13 funções diferentes. Isso me permitiu não apenas aprender sobre as diferentes áreas da empresa, mas também entender como as lideranças precisam estar conectadas ao propósito da organização. Alinhar propósito com resultados é o segredo para criar uma liderança forte e sustentável”.
Esse é um tema que também transversa a importância da sucessão. De acordo com a pesquisa da KPMG, 68% das empresas varejistas que possuem um programa de sucessão formalizado conseguem reter seus principais talentos por mais tempo e experimentam uma taxa de crescimento superior.
Para isso, é preciso pensar em toda a jornada de quem está em posições decisórias. “Nosso compromisso com o desenvolvimento de lideranças é contínuo. Temos um programa robusto de liderança feminina que atinge todos os níveis da companhia. Isso nos permite preparar futuras líderes e garantir que nossa cultura organizacional continue forte e alinhada com nossos valores, mesmo em momentos de crescimento rápido”, compartilha Erika.
O papel do RH no futuro do varejo
Já está claro que o futuro do varejo será moldado por duas grandes forças: a transformação digital e o desenvolvimento das habilidades humanas. Segundo a BCG, até 2026, espera-se que mais de 40% das tarefas operacionais nesta área sejam automatizadas, isso aumentará a eficiência, mas em contrapartida criará uma lacuna entre tecnologia e pessoas.
Nesse cenário, o papel do RH será fundamental para garantir que as habilidades socioemocionais — como adaptabilidade, empatia e capacidade de resolver problemas complexos — sejam desenvolvidas em todos os níveis da organização.
A pesquisa da KPMG revela que o aumento da produtividade dos funcionários nesse mercado está ligado aos investimentos emtecnologias de automação, análise de dados e ferramentas de nuvem pública. Essas tecnologias permitiram às corporações automatizarem processos repetitivos e melhorar a tomada de decisões com base em dados mais precisos.
A automação reduziu a carga de tarefas manuais, permitindo que os colaboradores se concentrem em atividades de maior valor agregado, o que aumentou a produtividade geral.
Benefícios da automação nas empresas
Área de Melhoria | Percentual de Empresas com Melhoria |
Ganhos de 11% ou mais em lucratividade/performance | 23% |
Melhoria significativa no engajamento dos clientes | 28% |
Aumento da produtividade dos funcionários | 23% |
Melhoria na eficiência e redução de custos | 23% |
Maria Nonohay, Chief People Officer da Plurix, afirma que, com a automação e digitalização cada vez mais presentes, o que nos diferencia enquanto humanos ficará mais relevante. “Nosso trabalho no RH é garantir que estamos desenvolvendo lideranças que saibam lidar com essa nova realidade, mas que também sejam capazes de promover um ambiente inclusivo, diverso e saudável”.
Além disso, o cuidado com a saúde mental dos colaboradores será uma prioridade nos próximos anos. Paulo destaca que o bem-estar precisa estar no centro das estratégias de liderança: “Não basta focar em tecnologia ou inovação se não cuidarmos do nosso capital humano. A atenção e o cuidado com a saúde mental dos colaboradores são essenciais para garantir que eles estejam engajados e produtivos”.
Nessa mesma linha social, a pesquisa da KPMG revela que 60% dos chefes de RH no varejo veem a sustentabilidade como um dos principais focos estratégicos para os próximos anos, uma mudança significativa em relação aos últimos anos, em que o foco estava predominantemente na eficiência operacional.
Maria destaca a importância de formar autoridades que estejam alinhados com essa visão de futuro. “O varejo não é apenas sobre vendas, mas sobre como podemos impactar positivamente a sociedade. Sustentabilidade, diversidade e inclusão não são apenas palavras da moda — são pilares que guiarão o futuro do setor, e cabe ao RH garantir que estamos preparando nossos líderes para essa realidade”.
Habilidades para liderar
A era digital trouxe desafios únicos para os decisores das empresas, exigindo um conjunto diversificado de habilidades que equilibram o uso da tecnologia com o desenvolvimento humano. Para guiar profissionais com sucesso em um setor tão dinâmico, as facilidades socioemocionais e a capacidade de adaptação tornaram-se essenciais.
Segundo Paulo, a liderança no setor não se trata apenas de direcionar equipes, mas também de ouvir os colaboradores e ajustar a estratégia com base nesse diálogo. “Valorizar essas vozes no processo de tomada de decisão tem sido um grande diferencial. No Grupo Pereira, desenvolvemos rituais de comunicação para garantir que as ideias e preocupações dos colaboradores sejam ouvidas. Isso nos ajuda a tomar decisões mais eficazes e a manter as equipes alinhadas com os nossos objetivos estratégicos”.
Outro ponto chave são as soft skills, que têm ganhado destaque como diferenciais competitivos. “Cada vez mais, os líderes devem estar dispostos a trabalhar suas soft skills, principalmente a capacidade de se adaptar e ter flexibilidade mental para acompanhar as mudanças que são cada vez mais rápidas”.
Por fim, a visão de futuro também é uma habilidade essencial. Maria fala sobre a importância de formar lideranças que estejam prontas para lidar com os desafios que vão além da transformação digital. Como Paulo resume: “Para liderar com sucesso, é fundamental ter uma visão clara de onde queremos chegar e, ao mesmo tempo, entender que os resultados só são sustentáveis quando todas as partes interessadas estão alinhadas com esse propósito”.
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