Acompanhar as mudanças na legislação é um dos desafios da gestão de pessoas. No último ano, a área precisou se adaptar às várias medidas provisórias e, agora, o governo se movimenta para fazer alterações que podem impactar o departamento pessoal das companhias novamente. Desde janeiro, o Ministério da Economia colocou em consulta pública uma nova proposta para a simplificação das regras trabalhistas.
Para compreender as mudanças previstas e como as empresas devem se preparar, conversamos com o especialista Eugênio Hainzenreder Júnior, Advogado Sócio-Diretor do RMMG Advogados. Segundo ele, no âmbito do direito do trabalho, o debate é sempre fundamental, visto a necessidade de equilibrar os interesses.
“Quando se trata de uma alteração na cultura das relações de trabalho ou mesmo na adoção de novos processos e informatização de obrigações trabalhistas, é mais que necessária ouvir os diversos atores sociais que atuarão no dia a dia e as entidades de classe”, afirma ele.
Na contramão disso, sindicados e entidades criticaram a falta de diálogo do governo com os representantes de empregadores e trabalhadores. Além disso, a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) pontuou “inovações e até inconstitucionalidades” na proposta.
O que significa essa proposta de decreto colocada em consulta pública pelo governo?
O texto apresentado reúne, revisa e simplifica mais de cento e vinte atos sobre disposições relativas à legislação trabalhista, à inspeção do trabalho, às políticas públicas e às relações de trabalho.
Dentre as principais regras revisadas estão:
- A carteira de trabalho e previdência social;
- Autorização transitória para trabalho aos domingos e feriados;
- Registro profissional e de trabalho temporário;
- Medidas contra a discriminação, assinatura e armazenamento de documentos em meio eletrônico;
- Disposições transitórias como o contrato de trabalho verde e amarelo, entre outros.
De acordo com o advogado, a proposta do governo tem como objetivo principal revisar a legislação trabalhista, buscando a simplificação e a desburocratização de normas. Assim como tornar mais efetivo os serviços prestados pelo antigo Ministério do Trabalho, atualmente Secretaria Especial de Previdência e Trabalho, integrante do Ministério da Economia.
Ainda segundo ele, algumas regras necessitam estar adequadas à realidade das relações de trabalho, devendo acompanhar a dinâmica do mercado de trabalho. “As propostas seguem uma lógica de modernização das normas trabalhistas, que já vinha de governos anteriores, tal como a Lei 13.467/17, conhecida como reforma trabalhista”, destaca Eugênio.
Para o especialista, há uma preocupação muito grande pela geração de empregos e redução dos custos relacionados ao trabalho, o que não é sinônimo simplesmente de supressão de leis trabalhistas.
“Até porque o direito do trabalho compreende diversos direitos que são considerados fundamentais pela Constituição Federal e, como tal, não podem ser alterados ou suprimidos pela legislação”, ressalta.
Trechos polêmicos
A proposta de simplificação das regras trabalhistas chamou a atenção em alguns de seus pontos, como a ampliação do número de atividades com autorização permanente para o trabalho aos domingos e feriados.
Diante disso, o Secretário de Trabalho do Ministério da Economia afirmou ao jornal O Estado de São Paulo que não se pretende alterar a regra de trabalho aos domingos, mas apenas eliminar a “etapa burocrática” para a negociação coletiva de adesão do setor.
Para Eugênio, as principais controvérsias se originam na mudança de alguns aspectos culturais, tais como as recentes autorizações de novas atividades para o trabalho em domingos e feriados. Assim como as novas formas e equipamentos de trabalho e o anseio pelo próprio trabalhador de maior liberdade e autonomia.
Outro ponto polêmico é o trecho que coloca “o livre exercício da atividade econômica e a busca do pleno emprego” como princípios para a produção das normas regulamentadoras ligadas à saúde e à segurança do trabalhador. Para as entidades, essa mudança fere os princípios da valorização e dignidade da pessoa.
Eugênio acredita que de um lado há a preocupação com a supressão de direitos do trabalhador e fragilização da fiscalização do trabalho. Do outro, os empresários alegam que as normas são de difícil compreensão e geram subjetividade na interpretação, o que permitiria autuações diante das conclusões distintas de cada auditor fiscal. “Ou seja, haveria uma insegurança jurídica tanto às empresas quanto ao próprio cumprimento da norma”, acrescenta.
Papel da gestão de pessoas
Mesmo que o decreto ainda esteja em fase de consulta pública, a área da gestão de pessoas precisa acompanhar os possíveis impactos e mudanças, caso haja a implementação da simplificação das regras trabalhistas.
De acordo com o advogado, para o setor de RH, que atua diretamente com a prática que a legislação visa regular, não haverá qualquer prejuízo. “Penso que, se efetivamente alcançado o papel de desburocratização e simplificação das regras trabalhistas, será um grande ganho para as empresas”, aponta.
No entanto, o problema ocorre quando as medidas e mudanças não são bem planejadas e explicadas aos seus destinatários, o que leva à insegurança e à total desorganização das companhias.
Segundo o especialista, existem alguns exemplos negativos na história recente que demonstram que a finalidade da alteração normativa é legítima. “Porém, se implementada de forma nada estruturada, com sucessivas prorrogações de prazos e sem o devido tempo de preparo do RH, pode gerar impactos”, reforça.
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