Imagine um colaborador que, durante o expediente, está constantemente checando o celular, ansioso por um resultado que pode mudar seu dia financeiramente.
O vício em apostas online tem se tornado um desafio silencioso dentro das empresas, afetando a produtividade, a concentração e até o bem-estar emocional dos funcionários.
Com o crescimento exponencial desse mercado, muitas organizações já percebem impactos diretos no ambiente corporativo. Segundo dados da PwC, o setor de apostas online movimentou R$ 130 bilhões apenas em 2024.
Com campanhas agressivas de marketing e promessas de ganhos fáceis, plataformas de apostas têm atraído um público cada vez maior, incluindo trabalhadores de diversas áreas.
Esse fenômeno levanta uma questão preocupante para as empresas: como lidar com os efeitos desse comportamento dentro do ambiente profissional?
Diante desse cenário, o RH tem um papel essencial na identificação, prevenção e apoio aos colaboradores, garantindo que a organização não seja prejudicada e que os funcionários encontrem suporte adequado.
Como identificar sinais de alerta nos colaboradores
Os impactos das apostas online no ambiente corporativo podem ser sutis no início, mas se tornam evidentes conforme o problema se agrava. Entre os sinais mais comuns estão:
- Atrasos frequentes e dificuldades para manter a pontualidade;
- Queda no desempenho e aumento de erros;
- Isolamento social no ambiente de trabalho;
- Uso excessivo do celular, especialmente em momentos inadequados;
- Irritabilidade e alterações de humor repentinas;
- Dificuldades financeiras visíveis, como solicitação frequente de adiantamentos salariais;
- Pedidos de empréstimos a colegas ou até mesmo ao RH.
No trabalho remoto, o desafio de identificação se torna ainda maior. “É importante a empresa acompanhar o quanto essa pessoa está realmente online e produzindo com qualidade”, alerta Marli Arruda, psicóloga empresarial e gestora de estratégias em gestão de pessoas.
A queda na qualidade das entregas, atrasos na conclusão de tarefas e falta de interação são indícios de que algo pode estar errado. Outro aspecto que merece atenção é o impacto na cultura organizacional.
“Se a empresa tolera comportamentos negligentes sem abordar a raiz do problema, outros colaboradores podem sentir que não há preocupação real com o bem-estar dos times”, afirma Maria Paula Oliveira, Diretora de Gente, Jurídico e Compliance da LG Lugar de Gente.
Portanto, além de identificar os sinais, é essencial criar um plano de ação eficiente.
O papel do RH na prevenção e conscientização
Os RHs das empresas têm um papel fundamental na conscientização sobre os riscos das apostas online.
A abordagem, no entanto, deve ser feita com empatia e estratégia, evitando julgamentos. Para isso, algumas ações são recomendadas:
1. Capacitação das lideranças
Muitos gestores se sentem despreparados para lidar com colaboradores que enfrentam problemas relacionados a apostas.
“A liderança precisa ser treinada para abordar o colaborador sem julgamentos, criando um espaço seguro para o diálogo”, sugere Marli Arruda. Frases como “tenho percebido que você está mais distante” podem abrir espaço para conversas sem impor um tom acusatório.
Além disso, é essencial que as lideranças entendam que a ludopatia é uma doença e não apenas um comportamento irresponsável. A dependência em jogos de azar está classificada no CID-10 e requer tratamento adequado.
Quando os líderes têm esse conhecimento, podem agir de forma mais assertiva, encaminhando o colaborador para suporte profissional, quando necessário.
A empresa pode promover workshops e treinamentos específicos sobre saúde mental e comportamento compulsivo, garantindo que os gestores estejam preparados para identificar e intervir de maneira adequada.
Criar fóruns internos de discussão sobre problemas financeiros e emocionais também pode ser um diferencial para prevenir e lidar com o problema de forma proativa.
2. Programa de educação financeira
Estudos mostram que a busca por uma “renda extra” é um dos principais gatilhos para a entrada em apostas online.
Segundo pesquisa da Mercer, os colaboradores gastam, em média, seis horas mensais preocupando-se com questões financeiras. Criar programas de educação financeira pode ser uma forma eficaz de prevenção.
Além de cursos e palestras, o RH pode estabelecer parcerias com consultores financeiros que ofereçam atendimento individualizado aos colaboradores que precisem de orientação.
Essa medida pode prevenir endividamentos graves e, consequentemente, a procura desesperada por soluções arriscadas como as apostas.
Oferecer benefícios como planejamento financeiro personalizado, palestras sobre investimentos e incentivos para poupança podem ajudar os colaboradores a terem maior controle sobre suas finanças e diminuírem o apelo por apostas.
Empresas podem disponibilizar aplicativos de gestão financeira e workshops sobre orçamento doméstico para reforçar esse aprendizado.
3. Monitoramento do impacto organizacional
O RH deve analisar indicadores organizacionais que possam refletir problemas causados pelo vício em apostas, como absenteísmo, queda no desempenho e aumento no turnover.
“Quando esses índices começam a se alterar de forma repentina, é necessário investigar a causa e entender se há uma relação com questões financeiras e comportamentais dos colaboradores”, destaca Maria Paula Oliveira.
Ferramentas de People Analytics podem ser utilizadas para detectar tendências comportamentais e antecipar problemas antes que se tornem críticos.
Empresas que monitoram dados de desempenho e comportamento podem agir preventivamente, evitando impactos maiores na equipe.
Além disso, pesquisas internas regulares sobre clima organizacional podem ajudar a medir o nível de bem-estar e satisfação dos funcionários.
A análise desses dados permite que o RH tome decisões mais estratégicas e implemente ações corretivas antes que os problemas se agravem.
4. Desenvolvimento de campanhas de conscientização
O RH deve desenvolver campanhas educativas que abordem os riscos das apostas online e suas consequências no ambiente de trabalho.
Essas campanhas podem incluir palestras, workshops, materiais informativos e ações interativas que estimulem o engajamento dos colaboradores.
Além disso, a comunicação interna da empresa deve ser utilizada estrategicamente para reforçar a mensagem, por meio de newsletters, vídeos educativos e depoimentos de especialistas. Criar um ambiente onde os funcionários sintam-se seguros para discutir o tema pode facilitar a prevenção e a identificação precoce de possíveis problemas.
Outro ponto essencial é o uso de datas estratégicas para reforçar a conscientização, como campanhas anuais de saúde mental e bem-estar financeiro.
A inclusão do tema em treinamentos obrigatórios também pode contribuir para ampliar a sensibilização dos funcionários e líderes.
5. Suporte psicológico e assistência especializada
Muitos colaboradores evitam buscar ajuda por medo de represálias. O RH deve garantir que os funcionários tenham acesso a profissionais especializados em dependência financeira e emocional.
“Se o colaborador sentir que será punido ou julgado, ele não irá compartilhar suas dificuldades”, reforça Maria Paula Oliveira.
Além disso, a empresa pode oferecer suporte jurídico para casos em que os colaboradores estejam enfrentando processos relacionados a dívidas acumuladas por apostas.
Criar parcerias com clínicas de reabilitação e psicólogos pode ser uma solução viável para oferecer suporte completo aos afetados.
Conclusão
O crescimento das apostas online traz impactos significativos para as empresas. O papel do RH é essencial para criar estratégias de prevenção, educação financeira e apoio aos colaboradores.
A conscientização sobre a ludopatia, o treinamento das lideranças e a implementação de programas estruturados são passos essenciais para minimizar os impactos negativos desse fenômeno no ambiente de trabalho.
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