Do reconhecimento da Organização Mundial de Saúde (OMS) do surto de covid-19 como uma pandemia até as primeiras vítimas e hospitalizações no Brasil, vem crescendo a necessidade de adaptação e construção de alternativas para minimizar os impactos da crise na saúde de profissionais e sobre as relações trabalhistas em meio ao surto de coronavírus.
Nesse cenário, surgem opções como o trabalho em home office, antecipação de férias e feriados, férias coletivas e a redução de carga horária. Embora a intenção seja oferecer algum nível de segurança para organizações e trabalhadores, é natural que com essas medidas cresçam também as dúvidas.
Sendo assim, a Advogada da AVM Advogados Associados, Julise Lemonje, ressalta que é fundamental que as áreas de Recursos Humanos se mantenham atentas às mudanças e adotem medidas cautelosas com base nos instrumentos legais que o governo federal tem disponibilizado.
Para a especialista, a situação é realmente delicada para as relações trabalhistas em meio ao surto de coronavírus. “Em momentos de crise, os setores responsáveis pela gestão dos trabalhadores devem buscar a elaboração de análises que extrapolem a mera leitura fria de normativas que vem sendo publicadas, de forma confusa e na contramão de orientações da OIT (Organização Internacional do Trabalho)”, afirma.
Confira 7 sugestões da advogada Julise Lemonje para proporcionar um ambiente saudável e juridicamente seguro em meio às incertezas que acompanham o momento:
1 – Avalie o impacto para as relações trabalhistas
Embora as entidades estejam se movimentando justamente para garantir que esse momento seja menos traumático, Julise ressalta que as organizações devem pesar como seu posicionamento com relação ao isolamento social vai refletir sobre o quadro profissional.
“É fundamental uma avaliação sistêmica dos impactos de cada medida na saúde dos trabalhadores, bem como evitar a aplicação de normativas de forma desconectada da realidade do trabalho e sem a devida reflexão acerca das repercussões – inclusive em âmbito subjetivo e relacional – de tais posições”, esclarece.
Por sua vez, isso demanda do RH foco em decisões de cuidado e suporte dos colaboradores, promovendo o fortalecimento de sentimentos, de pertencimento e a saúde das relações de trabalho.
2 – Cuide das normas de segurança
Outro ponto importante nesse momento é o cuidado com a segurança do colaborador, seja ele na realidade do home office ou não. Por isso, Julise ressalta a importância de lidar de forma adequada com o isolamento dos funcionários.
“Não havendo a possibilidade de realização de trabalho de forma remota, além de proporcionar o isolamento de empregados com suspeita de contaminação e demais trabalhadores pertencentes ao grupo de risco, sem redução salarial, a atuação do setor de Recursos Humanos deve atentar a saúde e segurança”, reforça.
Como ela explica, isso deve ser feito intensificando rotinas de higiene do ambiente de trabalho, disponibilizando álcool em gel e evitando que os empregados desempenhem suas funções a menos de dois metros de distância de outros trabalhadores e do público.
“É obrigação do empregador a instrução dos empregados sobre precauções para evitar doenças ocupacionais, bem como cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho”, destaca a especialista.
3 – Se puder, estabeleça o home office
De acordo com a Medida Provisória nº. 927, publicada em 22 de março de 2020, e com a Lei nº. 13.979, de fevereiro de 2020, ficou regulamentada a modalidade de teletrabalho, dentre outras medidas para enfrentar a pandemia.
Ainda que qualquer empresa possa fazer opção pelo formato, desde que ele se encaixe à natureza do trabalho desenvolvido por seus funcionários, Julise Lemonje alerta para pontos legais que devem ser observados.
Ela esclarece que, ainda que seja dispensada a necessidade de registro prévio da alteração no contrato individual de trabalho, deve ser feita a formalização da alteração do regime em um aditivo contratual, ainda que em caráter temporário.
4 – Ofereça a estrutura de trabalho necessária
Uma das questões em torno da execução do trabalho em home office é a oferta do material para que a função de cada colaborador possível de ser remanejado para essa modalidade seja desempenhada sem perdas.
Para a especialista esse é mais um ponto de atenção jurídica. Ela explica que em um prazo de 30 dias a partir da mudança no regime de trabalho deve ser formalizado contrato escrito referente à manutenção, aquisição e fornecimentos dos equipamentos necessários ao desempenho das atividades laborativas do empregado.
“Embora a MP 927 não estabeleça obrigatoriedade de o empregador arcar com as despesas vinculadas à alteração do regime presencial ao de teletrabalho, cumpre observar que a empresa não está autorizada a transferir o risco de sua atividade ao empregado. Por conseguinte, não há como falar em autorização para que as empresas determinem que empregados adquiram computadores e demais instrumentos para o desempenho de suas funções”, explica.
Sendo assim, a advogada recomenda, se preciso, a possibilidade de o empregador oferecer os equipamentos em regime de comodato, bem como da realização de ajuste do valor a ser pago a título de ajuda de custo em caráter indenizatório.
5 – Tenha atenção aos casos de lay off
O primeiro ponto a se esclarecer a respeito do lay off está na revogação do Art. 18 da MP 927, que estabelecia a possibilidade de suspensão de contrato de trabalho por até quatro meses sem remuneração.
Com a publicação da MP 928, Julise salienta que seguem sendo aplicáveis somente as hipóteses previstas na CLT e na Lei n. 4.923/1965, sendo imprescindível que a medida seja implementada mediante negociação coletiva.
Segundo ela, é importante lembrar ainda que para fins de requalificação profissional, a CLT autoriza que, durante o período de dois a cinco meses, o empregado passe a receber auxílio compensatório mediante recursos do Fundo de Amparo do Trabalhador (FAT), respeitando o limite do teto do seguro desemprego aplicável quando da suspensão contratual.
Diante da possibilidade de recorrer ao lay off dentro do que determina a legislação, a especialista enumera pontos que precisam ser observados. “A empresa deve se atentar às regras previstas na Lei n. 4.923/65, que estabelece medidas contra o Desemprego e de Assistência aos Desempregados, quais sejam: (i) que a adoção da medida se dê por meio de acordo com a entidade sindical pertinente; (ii) que exista motivação decorrente de conjuntura econômica devidamente comprovada; (iii) que a redução salarial não seja superior a 25% do salário, respeitando-se o salário mínimo; e (iv) que se dê por prazo determinado, por um período máximo de 3 meses, prorrogável, nas mesmas condições, na hipótese de mostrar-se ainda indispensável para a viabilidade financeira da empresa”, completa.
6 – Reflita sobre a antecipação de férias
Dentre as medidas estabelecidas para as relações trabalhistas em meio ao surto de coronavírus, está a antecipação de férias. No que tange ao direito individual, foi autorizado o adiantamento, sendo necessária a notificação do empregado com 48 horas de antecedência.
Quanto à concessão de férias coletivas, está prevista a notificação do conjunto de empregados com 48 horas de antecedência, dispensada a exigência de comunicação prévia ao Ministério da Economia, entre outros pontos previstos na CLT.
Ainda assim, Julise Lemonje alerta para a atenção que as empresas devem ter com repercussões futuras dessa medida. “As organizações devem atentar à lesão ao direito dos empregados de efetivo gozo de férias. Além das prorrogações relativas à remuneração, a concessão em meio ao estado de calamidade pública reconhecido no preâmbulo da MP 927 não garante ao trabalhador o período destinado ao repouso, lazer e convívio social esperado e garantido por força constitucional”, destaca.
Mais do que isso, a especialista lembra que, além dos cuidados com a saúde mental e física dos trabalhadores, esse ponto se relaciona com o posicionamento de órgãos como o Ministério Público do Trabalho (MPT) e a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (ANAMATRA), que foram contrários à Medida Provisória 927.
7 – Mantenha diálogo constante
Por fim, em meio à crise que o coronavírus vem impondo às relações trabalhistas, a advogada Julise Lemonje reforça o valor de a organização se manter aberta ao diálogo. No caso do funcionário, essa tarefa fica sob responsabilidade da gestão de pessoas.
“Ganham destaque atuações do RH voltadas ao acompanhamento do processo de adaptação dos trabalhadores ao home office, diálogo sobre dificuldades percebidas e treinamentos para utilização de meios telemáticos e regulação saudável do tempo destinado às atividades laborativas”, afirma.
Já em relação aos efeitos jurídicos das medidas, a especialista ressalta a necessidade de estar em contato com os representantes das classes envolvidas. “Diante do cenário de insegurança e do possível incremento de judicialização de questões trabalhistas após a pandemia, é necessária cautela na aplicação das medidas previstas na MP 927. Recomenda-se a busca de consultoria jurídica e o diálogo com entidades sindicais”, finaliza.
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