Os avanços tecnológicos estão redefinindo o trabalho de tal forma que mais da metade dos executivos entrevistados para a Global Talent Trends 2019 acreditam que inteligência artificial e automação substituirão um em cada cinco dos empregos atuais de suas empresas. Ainda assim, o tema da 45ª edição do Congresso Nacional sobre Gestão de Pessoas (CONARH), maior evento do setor do mundo, ressalta que o ser humano segue como fator fundamental.
Como é possível ter um melhor desempenho em um cenário ameaçado pelas crescentes cobranças em meio à da transformação digital? É o que palestrantes como o Professor e Fundador da Responsabilidade Humanística, Dante Gallian, irão discutir no CONARH 2019, entre os dias 13 e 15 de agosto, no São Paulo Expo.
Ilustrado na pesquisa da Consultoria Mercer pelas opiniões de mais de 2.400 executivos e líderes de RH de 16 países e nove diferentes setores, o cenário atual é desafiador. Contudo, o especialista avalia que as organizações percebem cada vez mais sua responsabilidade com o fator humano, pensando fundamentalmente nas relações humanas com seus colaboradores.
O que é responsabilidade humanística?
Historiador, Dante Gallian tem duas décadas dedicadas ao desenvolvimento de programas de responsabilidade humanística, tema de sua palestra no dia 13 de agosto.
O professor explica que o processo que levou ao surgimento dessa preocupação começou com a percepção de que o lucro não é o único foco da organização. “A principal responsabilidade de uma empresa era você desenvolver um produto ou serviço para geração de receita e lucro, e que retroalimentasse o próprio funcionamento do negócio. Com o tempo, começou a se perceber que isso era muito pouco. As empresas vão se tornando entidades cada vez mais complexas, porque elas envolvem uma quantidade cada vez maior de pessoas, ou seja, vidas impactadas pelo trabalho. Quando se começa a perceber que, além da geração de riqueza, a empresa precisa também olhar para outros aspectos da sua realidade, como, por exemplo, a sociedade na qual ela se insere, começa a surgir o conceito de responsabilidade social”.
Esse, no entanto, é apenas o primeiro passo. Pouco depois, o surgimento de uma nova consciência acerca de impactos ecológicos culminaria no desenvolvimento da responsabilidade ambiental e a busca por sustentabilidade. Ele ressalta ainda que ambos os temas nasceram como inovadores e hoje já são indiscutíveis como parte da marca das organizações.
Por isso, o professor percebe que agora o foco também deve estar no fator humano, com potencial para melhorar o desempenho das empresas. “A responsabilidade humanística vem no sentido de mostrar para o mundo corporativo a importância de investir na saúde da alma dos colaboradores. Ao fazer isso, elas estão garantindo o seu próprio crescimento, a sua própria sustentabilidade”, avalia.
As máquinas dominarão?
Assim como a 45ª edição do CONARH tem #Humanize como tema, Dante salienta que cabe às empresas cuidarem de seus funcionários não só do ponto de vista profissional. Em resumo, a responsabilidade humanística consiste em investir tanto na formação como na manutenção do bem-estar dos colaboradores.
Isso seria vital para diminuir o risco de problemas como a síndrome de burnout, que aparece pela primeira vez como uma das principais preocupações de executivos e líderes ouvidos na Global Talent Trends 2019. “As empresas estão se conscientizando sobre a importância de investir no desenvolvimento humano, até por questões de saúde, e não uma saúde instrumental, do trabalho, mas uma saúde psíquica. Grande parte desses problemas da sociedade derivam de condições insalubres do mercado de trabalho”, frisa.
E o avanço tecnológico tem relação direta com essa realidade. Ainda de acordo com a pesquisa da Mercer, o crescimento do uso da inteligência artificial também deve ser responsável pela criação de 58 milhões de novos empregos até 2022, segundo o Fórum Econômico Mundial.
Dante Gallian explica a projeção ao ressaltar a importância de se ter uma abordagem menos tecnicista e limitada por protocolos. “É impossível tirar o fator humano completamente dessa realidade, porque ele tem o aspecto da sensibilidade, da intuição, o aspecto humanizado, propriamente dito, que uma máquina não pode substituir. A responsabilidade humanística é a tomada de consciência de que é preciso preparar os colaboradores e, principalmente, líderes para fazer frente a essa nova realidade”, ressalta.
O que é humano?
Para que a experiência seja bem-sucedida, é preciso ter a noção adequada do que isso significa dentro do mercado que está em constante transformação pela evolução tecnológica. Nesse sentido, Dante introduz o que ele chama de equívoco antropológico.
Segundo ele, a busca por soluções técnicas levou ao engano de que os seres humanos funcionam como as máquinas. “Quando você fala de humanização, você não pode aplicar as mesmas ferramentas usadas no desenvolvimento de habilidades técnicas e cognitivas. O ser humano é mais complexo do que isso”, esclarece.
Indo além, ele afirma que contar com profissionais adequados à essa nova realidade exige trabalhar a capacidade de superar o pensamento racional. “Formar humanisticamente é levar em consideração essa natureza complexa do ser humano, que não é só um ser dotado de inteligência. Não dá mais para pensar como Descartes: ‘Penso, logo existo’. A gente tem que pensar de uma forma mais complexa, que envolva, no mínimo, três dimensões: o afeto, a inteligência e a vontade”, afirma o especialista.
O processo de humanização
Usando de artifícios como a literatura, cinema e viagens com roteiros inspirados em obras literárias, por exemplo, Dante explica que é possível estimular o autoconhecimento do profissional, sua sensibilidade e, até mesmo, a compreensão de aspectos corporativos como hierarquia, inovação e liderança, entre outros.
Essas experiências levam a um colaborador capaz de lidar com desafios de uma forma mais eficaz. “Você transforma [o funcionário] porque não fica trabalhando no plano meramente cognitivo, técnico, você envolve as pessoas, através dessa experiência estética, com seus sentimentos, com seus afetos, com a sua inteligência, dentro de uma dinâmica dialógica, reflexiva, que tem esse efeito transformador”.
Sobretudo, mais do que ganhar um funcionário melhor preparado para o mercado em transformação, as práticas ligadas à responsabilidade humanística se mostram em linha com os desejos da nova força profissional, interessada na possibilidade de crescer tanto como empregado quanto como pessoa.
Para Dante Gallian, isso torna a organização mais atrativa. “Um outro aspecto que percebemos também, a partir da nossa experiência de atuação com empresas, é que quando começamos a trabalhar com projetos de responsabilidade humanística, dando oportunidade para que as pessoas façam esse mergulho de conhecimento no humano e no autoconhecimento, o primeiro sentimento identificado é o de gratidão para com a empresa, que proporcionou ao colaborador um espaço de desenvolvimento, que vai além do profissional. Um espaço que o ajuda a ser um ser humano melhor, ser mais saudável e se desenvolva enquanto pessoa. E isso acaba influenciando claramente na retenção de talentos”, argumenta.
O especialista ainda enumera outros benefícios notados em empresas que incluíram a responsabilidade humanística em seu ambiente, como a redução do absenteísmo, aumento da inovação e criatividade, melhor interação entre pessoas, além dos ganhos com a saúde mental dos trabalhadores.
Por fim, Dante alerta que não existem meios técnicos para alcançar a humanização, mas que essa é uma tarefa possível mesmo em um universo competitivo que cobra resultados. “Eu acho que esse vai ser um grande desafio: como humanizar o mundo corporativo, como tornar esse ambiente mais saudável, fazer dele um lugar de crescimento humano e não apenas profissional, e transformar o ambiente empresarial em um lugar de saúde e não de doença, de propósito, e não de desencontro”, finaliza.
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