Enchentes que interrompem operações, secas que ameaçam matérias-primas, temporais que suspendem o fornecimento de energia elétrica por dias, regulamentações ambientais ainda incertas e funcionários que enfrentam condições de trabalho imprevisíveis e perigosas. Para as empresas, a realidade imposta pela crise climática significa uma necessidade de adaptação imediata.
E não é preciso ir longe, os impactos de desastres ambientais estão cada vez mais próximos. As graves enchentes que afetaram o Rio Grande do Sul entre abril e maio deste ano são exemplos. Ao todo, mais de 2 milhões de pessoas sofreram algum impacto provocado pelas inundações.
A nível global, o primeiro trimestre do ano acumulou uma perda estimada de US$ 45 bilhões, provocada por desastres naturais. Em 2023, o prejuízo total foi de US$ 380 bilhões, conforme relatórios da Aon, consultoria global de gestão de riscos. Além do comprometimento financeiro, a saúde e o bem-estar das pessoas estão em risco, com o aumento de doenças relacionadas ao estresse e desafios para garantir condições seguras de trabalho.
Essa complexidade trazida pela crise climática desafia as companhias em várias frentes, como explica Luiz Ferraro, Doutor em Desenvolvimento Sustentável e Coordenador do MBA em ESG no IPOG, “A crise climática tem dupla materialidade para todas as empresas: ela é ao mesmo tempo uma questão para o futuro do negócio, pelas suas consequências, e o negócio é parte do problema enquanto emissor de gases de efeito estufa”, exemplifica.
Diante dessa realidade, empresas e suas áreas de gestão de pessoas são desafiadas a desempenhar um papel fundamental no planejamento dos próximos anos e no bem-estar dos colaboradores. De forma que estejam preparadas para responder rapidamente a desastres, mas também que incorporem práticas sustentáveis em suas operações diárias.
Julianna Antunes, Sócia-fundadora do Sustentai, Empresa de tecnologia e engajamento para a sustentabilidade, chama atenção para aquele que deve ser o verdadeiro foco das estratégias. “Por mais que se fale de processos, modelo de negócios, acesso a novos mercados, ESG e afins, sustentabilidade dentro das empresas é sobre pessoas”.
Alinhamento de objetivos
De acordo com o Panorama ESG 2024, realizado pela Amcham Brasil, 71% das empresas brasileiras já adotam práticas ambientais, sociais e de governança. O resultado mostra um avanço de 24 pontos percentuais, se comparado ao ano de 2023. Para a Amcham, o aumento reflete a conscientização das empresas, mas é também uma resposta à pressão por parte dos consumidores e investidores, que buscam maior transparência e compromisso com questões ambientais e sociais.
Ana Luiza Silva, Gerente de Sustentabilidade na Nissan Brasil, destaca como essas companhias saem à frente quando o assunto se trata de perspectivas de continuidade. “Essas organizações se destacam por sua visão de futuro, pois entendem que o sucesso dos negócios a longo prazo depende de escolhas sustentáveis e responsáveis.”
A Gerente explica também o impacto que essas estratégias têm, na reputação e na resiliência dos negócios. “Ao alinhar seus objetivos com o desenvolvimento sustentável, essas empresas não só ganham a confiança de seus clientes e investidores, como fortalecem suas operações para enfrentar os desafios emergentes”.
A longo prazo, a Nissan busca reduzir emissões de CO2, melhorar a qualidade do ar e acelerar o uso de materiais sustentáveis em veículos. O objetivo final da companhia é alcançar a neutralidade de carbono até 2050. As estratégias fazem parte do Nissan Green Program (NGP), plano ambiental da marca. “Adotamos estratégias para otimizar nossas operações e reduzir o consumo de recursos, o que torna a nossa planta no Brasil uma das mais sustentáveis da marca no mundo”, compartilha Ana Luiza.
Para que esse processo seja eficaz, o engajamento das pessoas é essencial. Nesse contexto, o RH se torna um agente estratégico para alinhar a cultura organizacional e tirar o planejamento do papel. Para Katia Lobo, Diretora de Gente, Cultura e Sustentabilidade na Ourofino Saúde Animal, essa postura demanda uma mudança. “Durante muitos anos, o RH era posicionado como uma área de apoio, mas as empresas não funcionam sem pessoas, então o RH é fundamental para que o negócio aconteça”.
A partir dessa perspectiva, a Diretora comenta que uma postura propositiva da área é a melhor estratégia e reforça ainda que a mudança cultural é um processo. “Eu costumo dizer para meu time: o RH que passa o dia todo na frente do computador, sentado em uma única área, não vai conseguir fazer essa colheita da melhor forma, pois é como um plantio. É necessário plantar em vários locais com o radar super ligado para que a colheita seja mais fértil”, indica Katia.
Outra vertente que o RH pode apoiar é o empenho das lideranças, como reforça Ana Luiza. “Quando a liderança se envolve diretamente e lidera pelo exemplo, isso fortalece a confiança de todos os colaboradores e cria uma base sólida para uma jornada eficaz rumo à sustentabilidade”.
Como começar?
Construir uma cultura de sustentabilidade é um processo contínuo que exige tempo, como indica Julianna. “Não se cria cultura organizacional de uma hora para outra. É o tempo, hábito e o costume que vão levar à cultura. Não adianta esperar duas ou três datas especiais no ano para engajar os colaboradores.
Então, as dicas são: criar uma rotina de engajamento para sustentabilidade, muito treinamento, comunicação constante e atuar em parceria.” Guilherme Gaudereto, Mestre em Administração com ênfase em Gestão Ambiental e Sustentabilidade e Docente da Universidade São Judas, fala ainda sobre a importância de um levantamento personalizado. “Definir por onde começar vai depender da atividade da empresa. O importante é que ela aja de acordo com o seu mapa de risco, especialmente considerando sua materialidade”.
O conceito de materialidade se refere a uma ferramenta que identifica os temas mais relevantes para uma companhia, para que a partir disso, ela foque nos pontos que gera impacto, tanto positivo quanto negativo. Guilherme acrescenta que é importante englobar as necessidades dos clientes, bem como os recursos que são demandados para isso.
Um erro comum nesse processo é agir em temas de pouca relevância para o negócio, o que pode levar ao greenwashing. “Quando a empresa foca em questões em que geram pouco impacto, mas tenta se posicionar como sustentável por esses aspectos. Os resultados são pouco efetivos”, explica o Mestre.
A participação ativa da área de gestão de pessoas, desde o início, foi uma ação que trouxe resultados positivos na Ourofino. Katia compartilha que o primeiro passo foi escutar os stakeholders da empresa. “Nós ouvimos o colaborador, bancos, clientes, fornecedores, elegemos 23 públicos de interface com a companhia e perguntamos para essas pessoas ‘Quais os impactos que você acredita que a Ourofino deveria priorizar nos temas ESG?’”.
O resultado foi a construção de seis temas que refletem e guiam o propósito do negócio. O RH é o responsável por fazer a governança de todos os temas, incluindo aqueles que não são voltados diretamente para a área de pessoas. “Um dos temas é Bem estar animal. Eu, enquanto RH, não consigo discutir se aquele método de teste é mais eficaz ou se ele é mais rentável para a companhia.No entanto, ao assumir a governança, meu papel é provocar os líderes técnicos a adotarem uma visão mais sustentável, contribuindo para que as ações tenham um impacto positivo no ambiente socioambiental.”
Para que essas iniciativas avancem e ganhem profundidade é necessário transformar o planejamento em ação concreta no dia a dia das operações. Por isso, a atuação estratégica do RH e o apoio de líderes e equipes se tornam pontos essenciais. Abaixo, reunimos algumas práticas e sugestões de especialistas para orientar essa jornada com maior efetividade:
1. Envolva os colaboradores
Luiz Ferraro destaca que o envolvimento dos colaboradores na definição das metas ESG é essencial para que eles se sintam parte das soluções e se engajem no processo. Isso garante alinhamento e fortalecimento cultural. Ele sugere algumas formas de como fazer isso:
- Comunicar os benefícios de longo prazo das ações, tanto para o negócio quanto para as demais partes interessadas;
- Manter uma comunicação aberta sobre os desafios e conquistas nas áreas para reforçar a confiança e o alinhamento com os colaboradores;
- Integrar ESG às avaliações de desempenho.
2. Relacione metas a bonificações
O RH pode influenciar de forma significativa na implementação de estratégias empresariais. Mas Guilherme pondera que a efetividade dependerá de uma integração genuína com os propósitos da organização. “Se as questões de sustentabilidade não forem incluídas na estratégia da empresa, ou seja, refletindo em seus propósitos, metas, bonificações – especialmente em remunerações variáveis – cultura, processos seletivos, treinamentos e afins, dificilmente elas terão chance de serem efetivas”.
3. Cuide da saúde mental
Ana Luiza explica que a consciência sobre o futuro aumentou e nesse aspecto, a sustentabilidade se tornou um tema central da discussão. Em paralelo a isso, a saúde mental emergiu como uma preocupação significativa, especialmente em um mundo pós-pandemia. O resultado desses fatores culminou em uma preocupação crescente relacionada às mudanças climáticas e ao impacto ambiental, também conhecido como ecoansiedade.
“Esse tipo de ansiedade afeta principalmente aqueles que têm uma consciência mais profunda dos impactos ambientais, podendo prejudicar o bem-estar mental e a produtividade no trabalho. Para gerenciar esse impacto, as empresas podem criar espaços de diálogo, ofertar apoio psicológico, discutir a estratégia da empresa e promover ações individuais e coletivas”, complementa Luiz.
4. Invista em inovação e políticas públicas
Integrar ESG ao core business e à estratégia de negócios não são as únicas formas de traçar iniciativas, Luiz sinaliza dois campos normalmente negligenciados pelas empresas. “Aquelas que pretendem liderar seu setor não podem deixar de investir em proatividade no campo das políticas públicas e no investimento em pesquisa e inovação, que podem mitigar riscos e capturar novas oportunidades de mercado.”
5. Atuação em momentos de crise
Luiz também traz algumas recomendações para momentos de desastres em curso. “O RH desempenha um papel central em garantir que os colaboradores sejam protegidos em momentos de crise climática. Mas há uma gama diversa de desafios, que dependerão do setor, da região e da vulnerabilidade a esses desastres. No mínimo é importante ter protocolos, tê-los divulgados, conhecidos e internalizados pelo pessoal”.
Outros fatores que merecem atenção são:
- Mapeamento dos riscos;
- Planos de contingência;
- Promoção de um ambiente de trabalho seguro e resistente;
- Trabalho remoto e/ou flexibilidade e
- Garantia de acesso a benefícios e direitos trabalhistas adequados.
Gestão para o futuro
A perspectiva para os próximos anos é preocupante, eventos extremos podem afetar a oferta de insumos, comprometer centros logísticos, cadeias de suprimentos de maneira geral. Guilherme reforça esses desdobramentos. “Impactos diretos e indiretos vão ser sentidos na população e nas empresas, afetando questões como poder de compra, ou até mesmo podendo gerar mudanças demográficas”.
O professor menciona também um estudo publicado pela Revista Nature, cuja projeção aponta uma redução de cerca de 19% na renda global, já nos próximos 26 anos. Entretanto, os pesquisadores do estudo afirmam que ações imediatas podem minimizar algumas perdas a longo prazo.
Ana Luiza explica que o principal desafio da sustentabilidade reside na sua natureza não imediata. “Os resultados podem se manifestar no curto e médio prazo, mas o impacto real, para ser duradouro, depende de uma visão de longo prazo. Isso exige que as instituições compreendam e internalizem esse novo mindset”, reflete a Gerente.
É nesse cenário desafiador que muitas empresas conseguem fortalecer suas operações e se reinventar com mais responsabilidade. Uma das formas de fazer isso é alinhando estratégias a padrões globais, como os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
Os ODS são 17 metas, propostas pelas Nações Unidas, que norteiam as ações de empresas, do governo e da sociedade com o objetivo de acabar com a pobreza, proteger o meio ambiente e o clima. A agenda mundial foi adotada durante a Cúpula das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável, em 2015 e acumula um investimento superior a US$ 198,7 milhões.
A adoção dos ODS pelo setor privado posiciona as empresas como protagonistas. Ana Luiza compartilha como a Nissan tem incorporado essa agenda em suas operações. “Alinhada ao plano global Ambition 2030, buscamos contribuir para um mundo mais limpo, seguro e inclusivo, e com o compromisso de promover o desenvolvimento das comunidades onde está inserida. Assim, a Nissan do Brasil busca ser um membro valioso para as comunidades locais onde operamos”.
No caso da Nissan, até 2026 a companhia espera investir mais de R$ 6 milhões nas comunidades do entorno ao complexo industrial de Resende, no Rio de Janeiro. Os valores devem ser aplicados em iniciativas voltadas à educação. Ainda no pilar social, a organização também tem como compromisso, estimular a Diversidade, Equidade e Inclusão entre os membros das equipes, clientes, fornecedores e comunidade.
A Organização Internacional para Padronização (ISO) e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) anunciaram, em setembro de 2023, uma parceria estratégica para desenvolver o primeiro padrão internacional que promova ações de sustentabilidade nos setores público e privado. A criação de um padrão para os ODS facilitará o alinhamento das práticas empresariais com essa agenda global.
Em outubro, as organizações lançaram as diretrizes, que dentro dos próximos 12 meses, devem ser transformadas em um novo standard ISO com um número próprio. Segundo Achim Steiner, administrador do PNUD, essa iniciativa visa tornar a sustentabilidade uma parte intrínseca dos negócios, garantindo melhores resultados para empresas, investidores e sociedade.
Além do engajamento das lideranças, já apontado por Ana Luiza como fator importante para iniciar planejamentos de sustentabilidade, a Gerente da Nissan acrescenta também a relevância de centralizar os esforços em uma área. “É essencial que as empresas tenham uma área dedicada exclusivamente, com lideranças específicas focadas em orientar e impulsionar essa agenda. Isso facilita o alinhamento das estratégias com os objetivos empresariais de longo prazo”.
Para apoiar as empresas no gerenciamento das consequências da crise climática, Luiz reforça como estratégias de ESG podem auxiliar de diferentes formas:
Ambiental: investir em tecnologias limpas, adaptação às regulamentações ambientais emergentes e o desenvolver estratégias que considerem cenários climáticos futuros.
Social: garantir a segurança e o bem-estar dos colaboradores e das comunidades, principalmente em situações de desastres naturais.
Em alinhamento a todas essas iniciativas, Luiz destaca que o pilar de governança garante que as decisões e investimentos relacionados ao clima estejam alinhados com a ética e transparência, fazendo com que as iniciativas sejam vistas como parte integral da estratégia de negócio.
Dica bônus: Um dos principais erros é não definir métricas claras para monitorar o progresso ESG. Luiz sinaliza que é essencial criar KPIs robustos e realizar auditorias frequentes.
A capacidade de enfrentar desafios futuros, inovar e se adaptar a um cenário cada vez mais complexo nasce de uma cultura sólida e de um propósito bem definido. Ana Luiza defende a priorização da sustentabilidade não só como fator de resiliência dos negócios, mas como precaução a riscos futuros.
Para a Gerente, a construção resulta em verdadeiros legados. “Em um cenário onde os impactos climáticos são cada vez mais visíveis, empresas que adotam práticas sustentáveis estão construindo uma vantagem competitiva duradoura e se posicionando para um futuro mais sólido e sustentável”, finaliza Ana Luiza.
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